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Solidão: medo ou alívio?

Para início de conversa, gostaria de dizer que tenho um pouco de ranço em relação à diferenciação costumeiramente feita entre “solidão” e “solitude”. Na prática, acho que solitude nada mais é do que um jeito adocicado, criado por nossos mecanismos de defesa, para aceitar o estado necessário e original em que viemos ao mundo, o estado de solidão. Na psicanálise, há vários encaminhamentos para interpretá-lo, partindo, por vezes, da ideia de um estado de solidão essencial, necessário e inevitável que nos é inerente.

No entanto, não vou me ater a conceitos nem provocar grandes rebeliões terminológicas em relação às palavras solidão e solitude. Se você gosta de usar solitude como um estado prazeroso de estar só, tudo bem. O importante é que estar só retrata algo que supera a constatação ambiental de se notar desacompanhado. Ver-se só exige contexto para que seja possível discutir a sensação que evoca.

Solidão passa por desencontros, mas também por encontros profundos. Há aspectos emergentes no corpo e na mente que só são capazes de se mostrar à medida que não há nada além de nós para ser visto. Solidão deve ser algo construído, bem edificado. Deve contar com vigas firmes para ser mantido, independente de haver alguém que nos acompanhe.

Estar só indica coragem de observar o entorno sem apoio direto, consultando os sentidos – ou a suspensão deles – para criar uma experiência de mundo própria, inusitada, que pode ou não ser compartilhada depois. Solidão em tempos de multidão exige certa inclinação ao despreparo, de modo que seja possível enxergar valor nas surpresas do silêncio ou no barulho ensurdecedor que nossa própria voz faz na cabeça quando desligamos um pouco do resto à nossa volta.

Para além dos espaços que desenham a realidade de corpos acompanhados ou não, a solidão também se manifesta no prenúncio das reações. É um dilema da fonte, pois retira um pouco das possibilidades de terceirizar qualquer coisa. É o olho no olho em sua potência extrema, exigindo de nós maleabilidade para não sucumbir às autopunições ou aniquilar esse tudo cheio de restos que vamos notando à medida que nos vemos.

Solidão pode ser medo ou pode ser alívio. Pode também ser os dois. Pode começar com medo para depois aliviar, ou pode ser um alívio que, mediante as novas constatações, abre espaço para um pouco de medo. Em síntese, penso que se autorizar sentir sem rodeios prescinda de um tempo a sós. A solidão que escancara formatos de mundo é um jeito poderoso de desformatar aquilo que nos ensinaram a ser.

Thiane Ávila

Escritora

Thiane Ávila

Escritora

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