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Morte falada

Sou do tempo que a ausência fazia barulho nas casas, demonstrando uma pouco de ternura por trás dos móveis e dos abraços. Algo parecido com um silêncio deslocado, ppor vezes, invadia os porões das velhas casas, criando hiatos geracionais imprescindíveis à condução da vida. Lembrava-se.

O cheiro deixado nos lençóis sempre foi dos pontos altos das lembranças. Considero que a pele que registra é artigo irresistível, pois a marca nunca diz apenas sobre o que foi deixado, mas sobretudo sobre o que foi embora junto. Esses apetrechos da memória conseguem desencadear no peito voos baixos e quedas altas. Um sobrepõe o outro de vez em quando, mas a verdade é que nunca temos nenhuma garantia.

Nas ruas ensolaradas de verão, o tom das vitrines é quase angustiante. Sinto na garganta um apelo incontrolável das vértebras, solicitando goles invisíveis de sabores antigos. Nunca entendi muito bem como atender a esse tipo de demanda, mas, na maioria das vezes, me retiro.

E então, por dentro dos corredores solitários, quadros e plantas que vão narrando um pouco das impertinências das vidas inacabadas. É que a vida, em essência, não acaba. Pelo menos foi o que me contaram quando eu era criança e, ainda hoje, depois de muita análise distraída, levo como verdade incompleta. Adverto que só é possível desacreditar na vida quando ela, de fato, não é indiferente. A nada é possível dedicar tanta atenção quando não há interesse. Olhar para o tédio requer esforço.

Mesmo que eu não saiba ser sucinta, continuo tentando abreviar longas distâncias de maneiras diferentes. No entanto, para achar atalhos, é preciso ter uma mínima noção do caminho inteiro. Nunca temos.

Toda essa adrenalina da morte é, para mim, uma combustão sem fim das semânticas de mundo. É inebriante desbravá-las, inventando formas de serem subvertidas e deliciosamente gozadas através de corpos e palavras. Creio que minha dificuldade de síntese resida justamente na necessidade de ver mais do que o foco permite. Não é à toa que cada um de nós possui irregularidades na distribuição do tamanho dos membros e partes do corpo. Nenhum pé é igual ao outro, e isso dá a eles a liberdade criativa de nos desequilibrar de vez em quando. É preciso.

Um cheiro.

Thiane Ávila.

Thiane Ávila

Escritora

Thiane Ávila

Escritora

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