Por muito tempo, acreditei que a execução sem intervalos de alguma tarefa fosse sinônimo de que uma habilidade tivesse sido internalizada a ponto de dispensar minha reflexão frente à sua realização. Algo da ordem de ser boa demais naquilo, de tal maneira que o ritmo para desempenhar o que precisava ser feito estivesse livre de julgamentos ou de qualquer observação crítica. No mundo em que vivemos, pensar assim está dentro das expectativas de performance; logo, parece bom.
Atualmente, quando percebo esse mesmo padrão, tendo a pensar diferente. Sem generalizações, me proponho a um tempo de contemplação, quando não estou sugada por esse mesmo fluxo que me provoca a pensar, sobre o que de fato está envolvido nesse processo de subtração de si em torno de uma ação. Sim, no fundo, executar algo que dispensa presença é um ato inconsciente de sair de cena, isto é, de si mesmo, deslocando a vitalidade a uma sequência de ações que buscam determinado resultado. E isso pode se aplicar a qualquer coisa; portanto, não se limitem a pensar em trabalho formal.
Minha constatação tem sido a enorme diferença que existe entre o automático e o fluido. Não se trata de mensurar a qualidade da tarefa, mas o que o nosso corpo faz enquanto estamos submersos nela. O automático retira o manejo artesanal que se empenha em colocar intenção e presença naquilo que está sendo feito, ainda que a atividade possa estar tão internalizada a ponto de realmente ter suas etapas dominadas intelectualmente. O automático permite que a mente vague para outros cantos, ou simplesmente seja absorvida pelo seu próprio vazio em fuga. Um dos sintomas é não conseguirmos desconectar nunca, pois a atenção empobrecida que dedicamos às redes sociais vão escancarando os destinos que damos aos restos que não suportamos em nós. Ou ao tudo que negligenciamos para não precisarmos encarar. A má notícia? A conta sempre vem.
A fluidez, por outro lado, é um mergulho no terreno do propósito. É uma alegoria de motivos em suspensão que vão se colocando nas atividades de maneira orgânica e bem encaixada, mesmo que sem uma análise demorada ou intelectualmente direcionada àquilo que está sendo feito. Fluir tem como única semelhança com a dinâmica automática a maneira solta com que ocorre, mas realizada sob contextos radicalmente diferentes. O artesanal está presente porque o corpo está vivo em torno do que está sendo feito. Há espaço para criação e, por isso, é necessário que a mente não se disperse a ponto de se perder em seus buracos. Nos buracos, nos afogamos. Na mente fluida e criativa, somos convocados a nadar deliciosamente.
Pessoalmente, desconfio que nosso tempo tem desenvolvido medo da fluidez porque ela aciona pedaços sutis da gente. Criar nos chama para o convívio com nossas sombras e desventuras, convidando a integralidade do nosso ser a participar do nosso devir. Os resultados são menos calculados, e o prazer reside justamente na aposta. Quem aposta de verdade hoje em dia? A começar pela aposta mais importante: em nós mesmos.





